Finalmente! Relançado um dos mais cultuados e raros álbuns da música underground produzida no Brasil: o LP Rosa de Sangue, do multifacetado artista pernambucano Lula Côrtes. Com uma tiragem limitada a apenas 500 cópias, essa esmeradíssima reedição estadunidense, em LP de vinil de 180 gramas e CD, foi merecidamente (re)alçado do limbo mítico das lendas-raridades. A edição em LP reproduz toda a parte gráfica do original, trazendo o duplo encarte em papel couchê com as letras e a ficha técnica, o selo Mocambo e inclui, ainda, um encarte em inglês com texto escrito pelo próprio músico.
Diferente do que se poderia esperar de um disco gravado nem 1980, esse é um exemplo incrivelmente tardio, mas extremamente significativo e emblemático, da contracultura brasileira e diretamente influenciado pela vertente musical da Psicodelia e do Tropicalismo. Como característica destes, o disco traz uma mescla de influências e estilos, fazendo uso de influências as mais diversas: da música nordestina – forró e frevo – ao rock psicodélico, da poesia viajante, tipicamente hippie, a tonalidades folky. Cercando-se dos seus companheiros da cena udigrudi pernambucana, Lula contou com o auxílio mais-que-luxuoso de nomes como Jarbas Mariz, Alceu Valença, Paulo Rafael, Zé da Flauta, Don Tronxo, Ricardo Uchoa, Cátia de França e outros, transformando essa obra em um clássico da rock brasileiro.
As diversidades estilísticas vêm à tona durante toda a audição, mas destaco apenas algumas, como a mística Bahjan – Oração para Shiva, que mostra uma ambiência hindu-religiosa com inebriante vocal feminino, de Ratnabali. A faixa conta ainda com Lula, nas tablas e tricórdio acústico e Zé da Flauta, na flauta, óbvio, remetendo a lendários progressivos alemães, como o Popol Vuh, em seus discos com a participação da cantora Djong Yun, Ash Ra Tempel e outros. A instrumental Nordeste Oriental é puramente Música Armorial, movimento de valorização da cultura nordestino-brasileira, lançado por Ariano Suassuna em 1970. Já Noite Preta é um inacreditavelmente enlouquecido swing – ou samba-rock, como preferem alguns – up-tempo carregado de guitarras fuzz e seguindo os genitores do estilo, o Trio Mocotó, mas acrescentando um groove de disco music poderoso. Em Dos Inimigos Lula consegue a proeza de fazer uma balada deliciosamente bluesy mas com toques hard (?!), deixando livre uma soberba guitarra que plana em voo contínuo e magnífico. Balada da Calma, guitarras fuzz sempre presente, é daquelas músicas com melodia tão bela e envolvente que dá vontade de ouvir e ouvir e ouvir e ouvir uma vez mais. Sensação que continua em Balada de Sangue, um breve tema instrumental que encerra o LP em um clima folk elétrico altamente progressivo e climático. Uma pena acabar. Esse merecia ser um álbum-duplo...
(Publicada originalmente em 2009)