sexta-feira, 30 de abril de 2010

Peyote e Espinha de Peixe: progressivos dos anos 2000

A música feita no Brasil é uma eterna fonte de ótimas surpresas para todo pesquisador e colecionador de discos, de quaisquer estilos, uma verdadeira Cornucópia de bons sons. Exemplos disso são os CDs lançados por dois grupos no início dos anos 2000, o Peyote e o Espinha de Peixe.

Surgido em Niterói, RJ, o trio Espinha de Peixe, formado por João (voz e violão de 12 cordas), Pardal (voz e violão) e Moreira (flauta, voz e gaita), além de diversos convidados, editou seu único e homônimo CD em 2001, de forma independente, em uma tiragem de pouquíssimas cópias, nunca comercializadas. Fazendo uma fusão de inspiração setentista, mesclam o rock progressivo com a MPB e soam como uma combinação bastante interessante de Alceu Valença, os folk-hippies-ácidos nordestinos dos anos 70 e o Jethro Tull, ícone do blues-progressivo britânico. O som é fortemente marcado pela utilização de flautas, guitarras pesadas, violões folk e uma bateria poderosa. Dentre as 10 faixas do CD, destaco as belas Cavalos de areia, O trem, Menina, Reflexos, Fogo (instrumental), Peixe-boi e Verticalizar, que sintetizam toda sua proposta musical.

O Peyote, surgido em Belo Horizonte em meados de 1997, lançou seu único CD, Abstrato, também de modo independente, em 2002, com uma tiragem de apenas 500 cópias. Nesse excepcional CD-EP o grupo também nos traz um rock progressivo com toques de MPB, acrescido de influências do psicodelismo e do hard rock, nas cinco e bastante elaboradas faixas que o compõem: Cerimonia do peyote, Semente de cactus, Glorias, O baile e Boemia. Destaque para as guitarras (com pedais wah-wah inclusive) de Rodrigo Ferreira e Henrique Porfírio e as flautas de Pedro Ladeira (também nos vocais). Integravam o grupo, ainda, Frederico Abreu (bateria) e Dauler Gomes (baixo). Para completar a qualidade do trabalho, uma belíssima capa digipack de tonalidades e inspiração psicodélicas, acompanhada de um livreto de 12 paginas com as letras e textos inspirados no livro Mandala, de Roger Hein. Eles continuam gravando esporadicamente e duas de suas novas músicas, Bambu oco e Extremos, seguem o estilo do CD, mas com um pouco mais de peso nas guitarras, e com os novos integrantes Alexandre Arnoni (bateria), Fernando (baixo) e Léo Dias (vocal). Como detalhe, o disco teve uma prensagem em 2004, encartado na revista norte-americana While you were sleeping, quando Rodrigo fazia seus
estudos de guitarra nos EUA.

Até a próxima. E som na caixa!

(Publicada originalmente em 2007)
Hawkwind: Os Lordes da Guerra Psicodélica

Estava escrevendo essa coluna, ainda eufórico com a notícia sobre os shows do lendário grupo de space rock Hawkwind, quando soube do cancelamento da turnê brasileira deles. Confesso que estou absolutamente decepcionado, mas... rei morto, rei posto. Aí vai minha pequena homenagem a um dos grupos mais importantes do underground planetário. Como fã de longuíssima data, eu poderia escrever a respeito deles durante horas, mas nosso espaço não permite viagens tão longas – principalmente em se tratando de um grupo em plena atividade desde o fim da década de sessenta.

Formado em 1969 nos bairros de Notting Hill e Ladbroke Grove, arredores de Londres e berço da contracultura e do underground ingleses, o grupo foi o criador do space rock, derivação do rock psicodélico altamente influenciada pelo uso do LSD e substancias congêneres. Autodenominados Psychedelic warlords (título de uma de suas músicas), suas letras sempre foram marcadas pela presença de temas como ficção científica e drogas. Porém, nunca se deixaram marcar pela alienação, já que a abordagem de temas envolvendo política, crítica social e terrorismo são uma constante em suas músicas. O som sempre foi altamente energético, pesado, marcado pela experimentação e pelo uso de guitarras chapadas, sintetizadores planantes, ruídos eletrônicos, sax e flauta ensandecidas, bateria pesada, baixo pulsante e violino hipnótico. As músicas são essencialmente longas, densas, algo angustiantes – trilhas sonoras para viagens nada new age.

A formação deles sempre foi extremamente variável. Idas e vindas em épocas distintas foram comuns, como nos casos de Bob Calvert (vocal e poesias), Michael Moorcock (vocal e poesias – também escritor de ficção científica e magia & barbarismo), Nik Turner (sax, flauta), Simon House (violino, teclados, Mellotron), Martin Griffin (bateria), Huw Lloyd-Langton (guitarra, vocal), Harvey Bainbridge (baixo, teclados, vocal), Tim Blake (teclados, vocal), Alan Davey (baixo, teclados, vocal) e Jerry Richards (guitarra, teclados, vocal). Capitaneando os falcões desde os primórdios, o tresloucado guitarrista, tecladista e vocalista Dave Brock. Com o tempo, as asas do Hawkwind se expandiram e alguns de seus membros formaram outros grupos: Nik Turner’s Sphinx, Michael Moorcock and The Deep Fix, Melodic Energy Commision (do tecladista Del Dettmar) e Motörhead (do baixista e vocalista Lemmy Kilmister).

A discografia, tanto oficial como pirata, é enorme, mas meu destaque vai para os discos Hawkwind (70 – com o hino Be yourself), In search of space (71), Doremi fasol latido (72), Space ritual (73), Space ritual vol. 2 (85 – com gravações de 72), Hall of the mountain grill (74), Warrior on the edge of time (75), Hawklords (80 – neste, o grupo muda de nome devido a razões contratuais), Levitation (80), Sonic assassins (82 – EP com gravações ao vivo de 77) e, ainda, o teatral Captain Lockheed and the Starfighters (74 – solo de Bob Calvert com a participação do próprio HW, de Brian Eno etc) e Xitintoday (78 – solo de Nik Turner, acompanhado de Steve Hillage, Tim Blake e outros).

Aos que ainda não conhecem o grupo, recomendo correrem atrás, pois eles são história do rock. Boa viagem!

(Publicada originalmente em 2007) 

Ed Lincoln e uma turma da pesada


De Savoya Combo não é apenas um dos muitos pseudônimos usados pelo lendário organista e pianista cearense Eduardo Lincoln, mais conhecido como Ed Lincoln. Por trás desse nome está, na verdade, uma superformação que deixou gravado o LP De Savoya Combo, lançado em 1969. Nele, além do próprio Lincoln, faziam parte Orlandivo (vocal e percussão), Tony Tornado (vocal e percussão), Claudio Roditi (trompete), Durval Ferreira (guitarra) e Luiz Alves (baixo). De savoya combo mostra uma mescla de estilos, desde sambalanços clássicos como Jogaram o caxangá, hit em clubs mundo afora nos anos 90 (também editado no LP de 73 sob o nome de Ed Kenned), Angra e Mah-ná mah-ná (com vocais esquisitamente legais de Orlandivo e bela citação ao hino do Flamengo). Há, também, instrumentais no melhor estilo easylistening-Bossa Nova, em levadas deliciosamente trilha sonora de filmes sessentistas, com Ed e Roditi brincando nas versões de Stormy, Hello Monalisa, Sugar sugar, Je t´aime... moi non plus. Além de Evie, com vocal soul rascante de Tony Tornado. Essa formação era oriunda do petardo inaugural do músico em seu próprio selo, o magistral LP Ed Lincoln (Savoya SV-OO1), de 68, que trazia Sack o’ woe (saca uô), Catedral e Choro do bebê em um disco cheio de grooves matadores, Bossa Nova com órgão Hammond e vocais scat com influências psicodélicas.
  
Em 1972, Lincoln revisita o conceito De Savoya Combo e lança o raro e ótimo LP De Savoya (Polydor 2451 011), onde ele e sua trupe (não conheço a formação que tocou aqui) caem de cabeça no funk e no sambalanço com idéias psicodélicas e jazzísticas, em uma penca de tirambaços de arranjos elaborados e saborosos. Valem como exemplo as faixas Peixeiro – arretado funkão mid-tempo com uma hipnótica levada de baixo & vocais minimalistas –, Ê tum da - outro na mesma linha –, Fittipaldi, O pai dela, Sacode, sacode, Shazan, La decadanse, Caramba!...galileu da Galiléia e Mandei buscar. As baladas Ser dia outra vez e More today vêm com fortes tonalidades psicodélicas, pontuadas por grooves de baixo pesado e fraseados de bongôs. Detalhe: Caramba!... e Mandei buscar foram também editadas na coletânea Sucessos de ouro vol. 2, da Polydor, 72, que traz ainda a rara O Carona, funk pesadão com Tony e o Som Colorido, composição da dupla de soul music Tony & Frankie.

Podem correr atrás dessas jóias porque realmente valem à pena. Boa caçada!

(Publicada originalmente em 2007)

Erotic Disco Music à brasileira

Na semana passada, o assunto foi o erotic funk. Nesta, vou abordar um pouco a vertente erotizada da disco music brasileira.

Quando surgiu no Programa Carlos Imperial, na extinta TV Tupi do Rio, nas sensuais noites de sexta feira do longínquo ano de 1979, cantando (hã??) o clássico mega hit disco-kitsch Freak le boom boom, a musa rebolativa Gretchen não só apresentava a uma ávida audiência seus dotes físicos – esses bem interessantes! – como fazia chegar ao mercado popular a “discoteca” sensualizada à brasileira. A citada música era o carro-chefe do seu primeiro LP, My name is Gretchen, produzido pelo seu descobridor e empresário, o espertíssimo argentino Santiago “Mr. Sam” Malnati. Esse disco trazia também as cool e sexy Shake shake aia! e Boogie boogie e mostrava a, digamos assim, intérprete, em uma foto de capa pra lá de sensual, além de vir acompanhado de um pôster dela, um total item de colecionador!

Por falar em Gretchen, seu auto-intitulado LP, de 83, traz outro clássico, uma verdadeira e inesperada surpresa: uma versão erotic funk, super sexy e muito bacana, para o samba-funk de Jorge Ben(jor) Ela tem raça, charme, talento e gostosura, com o auxílio luxuoso de Luis Vagner na guitarra jazzy e vocal, e um nervoso naipe de metais. Seguindo essa linha gostosona, sensual, sussurrante & dançante, temos a ex-chacrete Fernanda Terremoto com a também surpreendente e sexy Eu quero te amar. Composta por ninguém menos que Tim Maia e lançada em compacto simples (com a bela seminua na capa, claro!) em 84, a música soa no estilo disco funky da clássica e sensacional dupla Robson Jorge & Lincoln Olivetti.

The Freedom Machine, grupo fake brasileiro, em seu LP Erotic Discotheque, de 78, também produzido pelo Mr. Sam, inclui a matadora versão disco-funk para a música Jangada (composição da dupla Dom & Ravel), com um vocal feminino cheio de sussurros e batidas afro. Free love segue em uma mescla de euro disco com toques de samba, misturando Fender Rhodes e riffs de sintetizador com cuíca e guitarra pesada com vocal feminino. O restante do disco traz umas faixas disco-samba estranhíssimas, bem legais, de tão esquisitas que são. Como detalhe, a versão original de Jangada saiu em 77 no LP Em todos os tempos, de Dom tem uma levada mais disco que é muito interessante, totalmente fora do estilo brega habitual do cantor.

Profissão mulher, um escasso LP de 82, trilha sonora da pornochanchada homônima, nos brinda com a atriz, dançarina e modelo Wilma Dias cantando (em português e francês) e sussurrando a única faixa inédita do disco, a pérola inspiradora La massagiste, de Lincoln Olivetti & Robson Jorge. Curiosidade: a capa traz a foto da ex-atriz Simone Carvalho, estrela do filme, nua e lindíssima.

Bons sonhos!!

(Publicada originalmente em 2007)

Erotic funk: dando a segunda!

Volto ao tema da semana passada para falar mais um pouco mais sobre alguns discos e músicas do funk erótico brasileiro dos anos setenta.

O grupo Os Carbonos, sob o nome de The Magnetic Sounds (vide detalhes sobre eles na coluna anterior), continuaram com o estilo lançando em 1972 um EP de 7” com quatro faixas – também conhecido no Brasil pela alcunha de compacto duplo – Angela’s love theme onde o destaque absoluto era Red signal, um funk latinesco com surpreendentes toques de rock progressivo. Detalhe: o disco é a trilha sonora da pornochanchada Sinal vermelho – as fêmeas, estréia de Vera Fischer no cinema, co-estrelado por David Cardoso e dirigido por Fauzi Mansur.

No muito raro LP de 74, A virgem de Saint Tropez, trilha sonora da homônima pornochanchada franco-brasileira, o genial maestro-tecladista-cantor Hareton Salvanini gravou várias faixas dentro de uma elaborada fusão erótica, além de dois excelentes temas totalmente blaxploitation, cravejados de guitarra com pedais wah-wah.  Como adendo histórico, a balada You can’t run away from your destiny é cantada por um iniciante Edu "Dudu" França. Em Espairecendo e Não podes fugir... a cereja do bolo são os jazzísticos vocais masculinos em scats. A dupla Giselle et Julien (alguém sabe quem e os músicos ?) nos deixaram um compacto com Je T´Adore e Le Monde Erotique de Giselle, esta última um ótimo soul psicodélico com destaque para o som do órgão (é o instrumento... Êpa! desculpem os trocadilhos) e para os vocais femininos sussurrados, seguindo o estilo Super erótica!/The Magnetic Sounds. Não há data de lançamento no disco, mas com certeza foi editado pela gravadora Musidisc no início dos anos 70.

No anônimo LP Super erótica na intimidade - Erótica vol. 3, de 75, o clima fica pra lá de quente no magistral funkaço Jungle fever, original do grupo The Chakachas e regravado por uma tonelada de grupos fake. Na verdade, não sei se este LP foi mesmo gravado por algum grupo brasileiro ou estrangeiro – não há nenhuma referência nem na capa nem no selo, como de hábito nos discos dos projetos falsos-picaretas que algumas gravadoras brazucas costumavam lançar –, mas a faixa em questão vale mais do que à pena ser citada e escutada! Êxtase, coletânea editada em LP no Brasil em 77, trouxe nomes fake locais como Les Femmes, em outra cover arrepiante para Jungle fever. Num climão mais para música chill out, aparecem Monique et Pierre com a declamada Les Amants e Andrea et Nicole na orgástica balada La prima volta.

Já em meados dos anos 70, as gravadoras no Brasil aproveitaram o filão erotizado e introduziram (!!!) a estética sussurrante na disco music, mandando ver em lançamentos de discos e artistas novos, tendo como o ícone rebolativo mor, Gretchen.

Mas essa história fica para uma outra coluna.

(Publicada originalmente em 2007)

Erotic funk brasileiro: no rastro de Serge Gainsburg

Calma!! Essa coluna não é sobre Tati Quebra-Barraco e suas letras libidinosas, e sim sobre o estilo surgido em fins dos anos 1960 no rastro do mega sucesso erótico-romântico do cantor-produtor-poeta-bad boy de plantão Serge Gainsbourg, a música J’ai t’aime... moi non plus, gravada com sua então mulher, Brigitte Bardot, regravada e lançada em LP em 69 com sua nova e sussurrante namorada, Jane Birkin.

Bem, música com pitada de sacanagem nunca foi novidade no Brasil; samba, xadado, forró, etc., sempre deitaram e rolaram (êpa!) nessa praia. Aproveitando o sucesso de Gainsbourg, a gravadora CID lançou o anônimo LP instrumental-erótico Erotíssima ainda em 69 (é o ano, hein...), que além da matadora faixa-título, trazia Le couple, surpreendente já na introdução, com um que de Exotica, à la trilha sonora de filme de suspense, desembocando numa parede de guitarra heavy fuzz psicodélica num funk arrassa-quarteirão. A faixa Le Telephone é um belo exemplo de luxurious music, ótima para um lounge. A versão de J’ai t’aime... é fiel à original. O disco todo soa bastante excitante (oh yeah, babe!) e bem produzido, fato natural em se tratando do produtor ser Durval Ferreira, um dos mais importantes músicos, compositores e produtores brasileiros – falecido dia 17 de junho último. O LP tem forte presença de piano elétrico Fender Rhodes, órgão, Clavinette, baixo e guitarra funky marcantes e sax suingante. Reeditado em 74 como Super Erótico, traz nessa versão o perverso funk-jazzy-samba Erotic rhythm macumba, um club tune que faz lembrar o Azimuth em sua fase inicial.

Seguindo essa trilha, os pop-brega-jovem guarda Os Carbonos lançam de forma anônima em 70 o primeiro volume da série de LPs Super erótica! (relançado em 75 com capa diferente e sob o nome de The magnetic sounds), onde aparece a indefectível versão de J’ai t’aime..., em inglês, que não fazia feio frente à original (mas vem cá... e por que seria diferente?! Quando os assuntos são música e luxúria, o que nós brasileiros ficamos devendo ao franceses?!). O disco traz as orgásticas P.Z. (composição do grupo), Super erótica!, Doin’ It (de Ike Turner) e Flash, cheias de sussurros femininos pra lá de inspiradores e intervenções vocais masculinas – a cargo dos cantores Nalva Aguiar e Gilbert – flutuando sobre bases funk, em grooves instrumentais poderosos, com presença marcante de órgão, guitarras fuzz e wah-wah e baixo pesado. Seguindo a linha do anterior, Super erótica vol. 2 é lançado em 71. Nele se destacam o orgástico e arrasador funk psicodélico up-tempo Lost in space, a fusão lounge-psicodélico-bossanovista Performance e um cover quentíssimo de That’s what I am.

Não percam! Mais gritos e sussurros no próximo episódio!

(Publicada originalmente em 2007)

Musicais bicho-grilo em versões brazuca

O rock psicodélico feito no Brasil nunca foi tão comentado, ouvido e pesquisado quanto nos dias de hoje. Mas, a despeito disso, muitas pérolas do gênero continuam pouco conhecidas fora do mundinho dos colecionadores de discos. As edições em vinil de musicais hippie dos anos de 1960 e 1970 são um exemplo disso.

A versão em português do clássico hiponga Hair, foi lançada em LP (selo Fermata, nº FB 265) em 1969, apenas um ano depois da peça estrear em Nova York. Os arranjos, de orientação totalmente pop-psicodélica, foram excecutados por um grupo formado pelos músicos Antônio Tadeu Passarelli (órgão e piano), Murilo Alvarenga Júnior (flauta e guitarra), Eduardo Oliveira (guitarra) e outros. São nítidas aqui as mesmas influências sonoras e fontes humorístico-contestadoras-experimentais de onde surgiram Os Mutantes, O Bando e outros grupos contemporâneos brasileiros de rock. A direção musical coube a Cláudio Petraglia, e o elenco era recheado de novatos, como Sônia Braga, Armando Bogus, Araci Balabanian, Bibi Vogel, Rosa Maria Colin, Laerte Morrone e outros.

A versão nacional de Jesus Cristo Superstar, editada em LP pelo selo Sinter (nº 1.903) em 72, teve como produtor o lendário Maestro Daniel Salinas e versões para o português compostas por ninguém menos que Vinicius de Moraes. As músicas transitam do folk ácido na faixa Tudo está bem ao jazz-rock em Céu na Cuca, passando pelo hard psicodélico com tinturas soul music em Simão Zelote e Gethsemane, e pelo psicodélico-progressivo em Condenação e Superstar (nesta última há um quê de Frank Zappa). Uma pena que na ficha técnica do disco não constem os nomes dos excelentes músicos, apenas dos atores, entre eles, o já falecido cantor-ator Eduardo Conde, no papel de Jesus.

O musical brasileiro Missa Leiga, de Chico de Assis, com músicas de Cláudio Petraglia, foi editado em LP pela Som Livre (nº SIG 1013) também em 72. Gravado ao vivo, o estilo desse disco é bem interessante, remontando às experimentações dos maestros Rogério Duprat (na tropicalista Procissão de entrada), Hareton Salvanini (na dark Última oração) e Egberto Gismonti (na progressiva Kyrie). O som transita do introspectivo ao grandiloqüente, sempre cheio de declamações e passagens de coral com orientação operística, visitando ainda o samba na inesperada Salmo da paz. Os músicos participantes formavam um time da pesadíssima: Amilson Godoy (órgão), Claudio Petraglia (piano), Itibere Zwarg (baixo), Nestor (percussão) e Marcio Montarroyos (piston). O elenco contava com Armando Bogus, Rosa Maria Colin e Buzza Ferraz.

Até a próxima volta do prato do toca-discos!

(Publicada originalmente em 2007)

Eu juro que vi!

Semana passada falei sobre alguns artistas de Niterói-RJ que assisti nos idos dos anos de 1980/90. Hoje volto ao tema, mas abrindo o leque para grupos de outras paragens.

Ao Bacamarte, lenda do rock progressivo brasileiro, tive a sorte de assistir algumas vezes. Eu estava lá nos dois primeiros shows que fizeram um pouco antes do lançamento do LP Depois do fim (a foto do encarte do disco, com eles no palco, foi tirada em um desses dois). Num Circo Voador lotado, no dia 18 de dezembro de 1983, o grupo, totalmente inspirado, fez uma apresentação arrasa-quarteirão! O sucesso foi tão grande que eles voltaram a se apresentar no mesmo lugar, mais lotado ainda, uma semana depois, numa totalmente ensandecia noite de 25 de dezembro. Mega presentaço de Natal para os que lá estavam!! Outro show memorável do grupo aconteceu no Clube de Regatas Icaraí, quando da estréia da ótima vocalista Mirian Peracchi, assumindo os vocais no lugar de Jane Duboc.

O Serapis Bey, grupo dos anos 80, liderado pelo psicólogo e músico Kao Rossman, se apresentou no Planetário da Gávea em um show intitulado Serapis Bey e o som imediato do 3º grau. Além de seu som místico-progressivo com influências diretas do space rock à la Pink Floyd e da música eletrônica da Escola de Berlin (Tangerine Dream, Klaus Schulze etc.), chamou bastante a atenção o fato dos músicos se apresentarem fantasiados de extra-terrestres (!!!) e das projeções visuais no palco. Faziam parte do set-list as músicas que eles compuseram para a peça Blavastky, inspirada na vida da escritora Helena Blavastky. Gravaram somente uma fita cassete que foi vendida no show e que, por algum motivo já soterrado em minhas memórias, não comprei! (Caso alguém possua um exemplar e queira passar o original ou uma cópia, favor entrar em contato com esse colunista). Essa fita chegou a ser veiculada na íntegra em uma edição especial do programa Espaço Aberto da Rádio Fluminense FM, de Niterói, e cujo Tema de Morya (parte I ou II) fez parte da programação da mesma rádio durante um certo tempo.

Estive também no primeiríssimo concerto do Sagrado Coração da Terra na cidade do Rio de Janeiro, na Sala Funarte – lançamento do seu primeiro LP –, no dia 11 de junho de 85. Com um som sinfônico inusitado, no que se referia a grupos brasileiros dessa época, se destacavam, claro, o uso do violino elétrico (cheio de efeitos e pedais!) pelo líder Marcos Vianna (também nos teclados e vocais), sintetizadores e piano a cargo de Inês Brando e os vocais e vocalizes arrasadores da linda e excelente Vanessa Falabella.

Vi muitos outros shows lendários, mas aos poucos voltarei ao assunto. Até a semana que vem!

(Publicada originalmente em 2007)

Progressivos em ação: Meninos, eu vi!

Os anos 1980 foram um manancial para o progressivo brasileiro. Mais Lado B do que nunca, o gênero, por vezes, conseguia vencer o bloqueio do emergente e comercialóide pop local – sabe-se lá por que, chamado de rock brasileiro ou BRock. Naquela época, Niterói (RJ), terra da lendária Rádio Fluminense FM e sempre celeiro de bons sons e músicos, pariu belas pérolas... Vou enfocar apenas algumas delas hoje.

O grupo Laboratório, formado por uma turma de estudantes da Escola de Música da Universidade Federal Fluminense, fazia um som extremamente elaborado, mesclando elementos de Música Antiga, experimentalismos clássicos e rock; soavam um mix de grupos europeus dos anos 70 e 80 como Art Zoyd, Gryphon, Univers Zero, Camel e Gentle Giant. O primeiro show deles conseguiu incendiar os pobres neurônios dos felizardos presentes ao auditório do DCE da Universidade Federal Fluminense em um gelado sábado à noite em 1983, por aí... Contava com a musicista Kristina Augustin (viola da gamba, saltério e flautas), hoje uma profissional dedicada à música antiga e renascentista. Afirmo: foi o melhor grupo progressivo brasileiro que vi ao vivo! Há notícia de que existe uma gravação deles ao vivo, mas nunca tive acesso à fita.

Gisela Peçanha é uma cantora de treinamento clássico que fazia à época um som étnico-progressivo, algo como uma fusão dos ingleses do Dead Can Dance com os italianos do Opus Avantra & Donella del Mônaco. As experimentações de Gisela ficaram eternizadas em uma fita cassete-demo e no show de lançamento no Teatro da UFF, sempre acompanhada pelo tecladista Raul Rachyd. Esta fita foi editada pelo selo Cidade Eléktrica em tiragem de 100 cópias. Hoje em dia, a cantora faz uma bela e sofisticada MPB com toques jazzy-samba que pode – e merece! – ser conferida em seu CD Manta branca, do selo Niterói Discos. Este mesmo selo editou ainda uma outra pérola: a sensacional demo do sexteto Leprechaun, que fazia uma pulsante MPB-progressiva influenciados pela Barca do Sol, lenda-mor da música progressiva brasileira.

Outro show inesquecível foi o do Zenith, no Teatro do SESC de Niterói. Em sua primeira fase, o grupo seguia a clássica formação teclados-baixo-bateria, fazendo um progressivo pesado com forte presença de teclados e o suporte de uma cozinha verdadeiramente heavy. As letras, em português, eram cataclísmicas e pesadas como seu som, beirando às do Black Sabbath! Já como quinteto, editaram um LP pop alguns anos depois.

Na próxima semana tem mais!


(Publicada originalmente em 2007)

Arco Iris e Gustavo Santaolalla: do rock argentino às trilhas de Hollywood

Aproveitando a recente passagem do argentino Gustavo Santaolalla pelo Brasil – quando se apresentou com o grupo de tango eletrônico Bajofondo Tango Club – abordaremos, neste Labo B, o hoje oscarizado autor de trilhas sonoras para Hollywood, como as de O segredo de Brokeback Moutain, Diarios de motocicleta e Babel. Salvo algum engano de minha parte, não vi na mídia nenhuma alusão ao passado musical desse guitarrista e vocalista, egresso de uma das maiores lendas do rock sul-americano: o grupo argentino de rock progressivo e fusion Arco Iris. Formado ainda nos anos 60 pelo próprio Santaolalla (voz e guitarra), Ara Tokatlián  (teclados e sopros) e Guillermo Bordarampé (baixo), e após algum tempo, por Horacio Gianello (bateria e percussão) e Danais Dana Tokatlián (modelo que se tornou a musa espiritual e vocalista do grupo, além de esposa de Ara). Eles foram um dos precursores na incorporação de elementos da música folk andina sul-americana ao rock, inicialmente com tonalidades psicodélicas e posteriormente progressivo-sinfônicas e jazz-rock.

Seguindo a trilha rock-folk, o grupo lançou os LPs Arco Iris (1970), Tiempo de resurrección (71), Suite nº1 (71), a ópera rock Sudamérica o el regreso a la aurora (72), Inti raymi (73), além de diversos compactos. Em 74 lançam o álbum de progressivo sinfônico Agitor lucens V. Sem Santaolalla, que parte para se radicar nos Estados Unidos, e capitaneado por Tokatlián e Dana, o grupo lançou os discos Los elementales (77) – enveredando pelo jazz-rock ao melhor estilo do Soft Machine e Return to Forever, e contanto com Ignacio Elizabetsky (guitarra) e Mario Cortez (teclados) em sua formação. Em 78 o grupo segue para os EUA, onde tocam com Herbie Hancock, Lalo Schifrin, Chester Thompson e outros. Nos anos seguintes, direcionam seu estilo para um jazz com toques de rock, folk latino e ocasionais toques de experimentalismo, presentes nos discos Cóndor (80), Faisán Azul (86), Pipas de la paz (88), In memoriam (92), Peace will save the rainbow (96), Arco Iris em vivo hoy e En vivo (ambos de 2000).

Ao sair do Arco Iris em 75, Santaolalla iniciou sua participação em outros projetos musicais, como o grupo folk Soluna, que gravou apenas um LP, Soluna, em 77; além de iniciar sua carreira de produtor e autor de trilhas sonoras, como as já citadas. Ara Tokatlián seguiu o mesmo caminho, se dedicando às trilhas para longas-metragens, documentários e comercias, como músico de estúdio e compositor.

Até a próxima semana!

(Publicada originalmente 2007)

O Tremendão cai no rock... e na MPB!

Continuando a enfocar os discos ovelhas-negras – no melhor sentido! – das carreiras de artistas originários da Jovem Guarda, vou abordar, desta vez, alguns discos lançados por Erasmo Carlos que, cercando-se do que havia de melhor à época entre músicos e arranjadores, adentrou os anos 70 fazendo um som a kilômetros de distância dos seus lançamentos anteriores. Como exemplo, cito a faixa Capoeirada, uma surpreendente afro-bossa em andamento up-tempo, na qual ele é acompanhado pelo grupos, hoje cult, Som Três e pelo grupo vocal O Quarteto. Editada em compacto e no LP 14 Sucessos do III festival da MPB, dava claros indícios de seu re-direcionamento musical, o que ficaria ainda mais evidente em seus LPs dos anos de 67, 68 e 70.

Em 1971 é editado Carlos, Erasmo, considerado por muitos como um dos melhores LPs da carreira do cantor. Magistralmente arranjado pelo maestro da Tropicalia, Rogério Duprat, por Arthur Verocai e Chiquinho de Moraes, este disco apresenta forte influência da psicodelia e da filosofia hippy, trazendo o auxílio luxuoso de Sérgio Dias (guitarra), Dinho Leme (bateria) e Liminha (baixo), todos dos Mutantes, do mítico guitarrista Lanny Gordin, membros do lendário grupo de hard rock O Peso, entre outros.

Dessa fase emerge também Sonhos e memórias 1942.1972, que considero seu ápice. O som é uma fusão que soa como uma MPB hippy-psicodélica com influências do rock progressivo e do rock rural. Nele, Erasmo é acompanhado por músicos da estirpe de Alex Malheiros (baixo), José Roberto Bertrami (teclados) e Ivan ‘Mamão’ Conti (bateria) – formação do futuro grupo Azimuth), Pedrinho, do Som nosso de cada dia (baixo), Luiz Paulo Simas, do Módulo 1000 (sintetizador, órgão e piano), Tavito, do Som imaginário (guitarra), Jorge Amiden, d’O Terço e Karma (guitarra), Lafayette (piano), Robertinho Silva, do Som imaginário (bateria), Luizão Maia (baixo), entre outros.

A Banda dos Contentes, de 1976, é um disco conceitual, onde o rock flerta com a MPB. Apresenta clássicos como Continente perdido (terra de montezuma), Paralelas e Filho único. Traz em sua ficha técnica músicos da importancia de Antonio Adolfo, o trio progressivo Karma, Gastão Lamounier, Rick, Gabriel O’Meara, Rubão Sabino, Jorge Amiden, Liminha, Ruy Maurity, Pascoal Meirelles e outros.

Por falta de espaço aqui, vou apenas citar o também importante 1990 – Projeto salva terra, de 1974. Vale a audição!

(Publicada originalmente 2007)

A Jovem Guarda sai do Porão – I

A reedição em vinil e CD dos LPs de Ronnie Von que integram sua trilogia psicodélica vem causando um certo espanto e curiosidade no público não afeito ao rock brasileiro dos anos 60 e 70, pelo estilo inusitado destes discos no contexto da carreira do cantor. Aproveitando, vou abordar nessa e em outras colunas posteriormente, alguns discos diferentes no histórico de artistas do pop brasileiro como Erasmo Carlos, Wanderlea, Eduardo Araújo, Vanusa, Leno (de Leno & Lilian), Fevers e outros.

Wanderlea em meados dos anos 70 daria uma guinada radical em sua imagem de ídolo da Jovem Guarda e rumaria em direção a uma vertente mais politizada e sofisticada da MPB, com o lançamento dos LPs Feito gente (nas verdes varandas da noite) (75), Vamos que eu já vou (77) e Wanderlea: mais que a paixão (78). Chamo a atenção para o fato de que uma importante parcela desse re-direcionamento estilístico deveu-se à influência do músico Egberto Gismonti, seu marido à época.

Feito gente (nas verdes varandas da noite), gravado ao vivo e com direção musical de Rosinha de Valença, têm influências de jazz, funk, blues e samba, mostrando o que podemos chamar de MPB de fusão. Inclui faixas de João Donato e Gilberto Gil, Joyce, Jorge Mautner, Luiz Melodia, Gonzaguinha e Suely Costa, acompanhada por músicos do naipe de Hélvius Vilela (piano), Fredera (guitarra) e Rubão Sabino (baixo).

Vamos que eu já vou é “O” disco de Wanderlea, com influência explícita de Egberto Gismonti, que além de ter feito os arranjos e a produção, toca sintetizadores, pianos, violões, violas, escaleta e percussão. O estilo aqui é totalmente jazzy e funky, com uma orientação bastante experimental, se assemelhando a uma mescla dos estilos de Milton Nascimento & Som Imaginário, Gismonti, A Barca do Sol e Elis Regina!! Feras participantes do disco: Robertinho Silva (bateria), Luiz Alves (baixo), Altay Veloso (guitarra), e outros. As faixas são de Gismonti (Calypso, Carmo e Educação Sentimental, com Geraldo Carneiro), Altay, Gonzaguinha, Rosinha de Valença e outros.

Wanderlea: mais que a paixão, um pouco menos experimental que o anterior, também tem fortes influências de jazz, funk, blues, samba e música nordestina. Apresenta Gismonti (piano em Mais que a Paixão), Djavan (violão em O Canto da Lira) e Moraes Moreira (em Fruto Maduro), em faixas de Gonzaguinha, Djavan, Fátima Guedes, Capinan e Marlui Miranda, além do próprio Gismonti.

Até o próximo episódio!

(Publicada originalmente 2007)

Música Cósmica, Vertente Progressiva na Alemanha.

Estamos reeditando a coluna Lado B, anteriormente publicada no portal Visto Livre, onde abordados discos e artistas tipicamente “lado B”, numa referência ao lado mais obscuro, desconhecido, sem sucesso, da música – isso numa visão do grande público e da grande midia. Não vou me ater a enfocar um estilo ou qualquer outra referência pré-determinada; meu objetivo é fazer um passeio por diferentes caminhos sonoros, indo do rock progressivo à MPB experimental, passando por fusões inusitadas, sons estranhos e esquisitices sonoras em geral.


Hoje falo um pouco sobre um gênero surgido no bojo do rock progressivo alemão do início dos anos 70, a Música Cósmica.

Vertente tipicamente teutônica, altamente influenciada pela psicodelia dos anos 60 e suas pesquisas sonoras, seguiu as pegadas deixadas pelo experimentalismo Hippie rumo às culturas afro-indo-orientais e sua música. Soa sempre com uma tonalidade mística e introspectiva. Numa análise geral, caracteriza-se por ter trazido para o rock progressivo uma aura lisérgico-espacial-meditativa, usando ainda toques de jazz, do jazz-rock, do hard rock, da música étnica do Oriente Médio, Norte da África e da música folk européia. Aliada ao uso pesado da eletrônica experimental do início dos anos 70 (usando timbres e fraseados de sintetizadores Mellotron e Moog), usa de forma massiva vôos planantes de guitarras lisérgicas, seções rítmicas mântrico-hipnóticas, beirando o minimalismo, além de percussão sempre marcante, interjeições etéreas de flautas, violões acústicos, etc.

Como alguns grupos e discos desta corrente, cito os grupos alemães Popol Vuh (de extensa discografia), Yatha Sydra (LP A Meditation Mass), Agitation Free (Malesch e Second), Mythos (Mythos e Dreamlab), Ash Ra Tempel (fase inicial, com Ash Ra Tempel, Schwingugen, Seven Up – acompanhando Timothy Leary –, Join Inn e Starring Rosi), Between (Einstieg, And The Waters Opened, e outros), Emtidi (Saat), entre muitos outros que não cabem aqui neste espaço, a maioria lançada pelos selos Kosmische Muzik, Ohr, Pilz e Vertigo.

O estilo ultrapassaria as fronteiras espaço-temporais da Alemanha dos anos 70, chegando à Itália (LPs Fragments of Light e Portable Madness, do Sensation’s Fix; Naso Freddo, de Franco Falsini), Suécia (Frantiden Är..., do Algarnas Tradgard; Organic Mind Solution e Sailong the Seagoat, do The Spacious Minds, entre outros).

Por hoje é só. Até a próxima!